quarta-feira, 3 de março de 2010

O papel da cobertura jornalística na deslegitimação da luta armada no Brasil


A cobertura jornalística dos episódios contra o regime militar teve papel relevante para a legitimação e a consequente perpetuação do golpe civil – militar durante os 21 anos de sua vigência.
Nesse sentido, os órgãos de censura atuaram de maneira sistemática nas redações dos jornais objetivando silenciar qualquer matéria considerada prejudicial à manutenção do regime.
A polícia federal ficava com a missão de fazer a censura, orientada pelo ministro da justiça, ambos atendendo à diretrizes gerais do governo ou pedidos específicos1. Inserida como etapa regular no trabalho dos jornalistas, os assuntos censurados variavam conforme a conjuntura política.
Desse modo, ou se fazia o jogo ou sofria com a ação dos censores. Em entrevista concedida em 1997, o jornalista da revista Veja durante a ditadura Mino Carta afirma que o jornal O Globo jamais sofreu com a censura, pois eles faziam o jogo dos censores, ou seja, a empresa comandada por Roberto Marinho, desde o primeiro momento, posicionou – se a favor do golpe e da elite hegemônica que estava assumindo o poder junto com os militares.
Nas matérias jornalísticas, a linguagem assumiu fundamental importância para a demonstração da posição ideológica dos periódicos e simultaneamente a legitimação do regime através da manipulação da grande massa.
Assim, a palavra revolução foi fruto da disputa da esquerda e da direita. Dessa forma, o golpe civil – militar de 1964 foi chamado de revolução, o general Costa e Silva assumiu o “comando supremo da revolução”, já que através da história uma série de revoluções tornou – se legitima.
A esquerda também buscava a legitimação de suas ações armadas apoiadas na noção de revolução. Os grupos armados rotulavam – se revolucionários objetivando também o apoio popular.
Mesmo sabendo que a tomada do poder pelos militares não poderia ser uma revolução, pois todo movimento foi apoiado pela elite econômica, e ela para tornar - se cada vez mais hegemônica, precisava manter a natureza capitalista do Estado e, por isso, não poderia ser uma revolução, mas sim um golpe.
Em análises do período através de conversas informais com pessoas comuns, que viveram a ditadura sem nenhuma participação política, contra ou a favor ao regime, notamos que a palavra revolução ainda é presente ao denominar o golpe civil – militar de 1964. Ou seja, na batalha para a reconstrução da memória acerca do golpe, as pessoas que viveram aquele período ainda não conseguiram desassociar a revolução à ascensão dos militares ao poder em 1964.
O fazer jornalístico, podemos encara - lo como um ato de seleção da memória, pois ao selecionar o que vai ser escrito silenciamos parte do fato o que consequentemente cairá no esquecimento para a reconstrução do passado2. Nesse sentido, o fazer jornalístico é uma produção da realidade, que engendra sobretudo a questão de poder, já que a sua matéria – prima é a ideologia, onde a aparente imparcialidade é fundamental para a sua eficiência.
Corroborando o trabalho da grande imprensa e contribuindo para o posterior silêncio da memória, a ditadura divulgava uma lista de nomes de pessoas que não deveriam ser entrevistadas. Desse modo, após o A.I. 5, figuras como Leonel Brizola e Chico Buarque de Holanda foram silenciadas pelos órgãos de repressão da ditadura.
Assim, a estrutura predominante na época privilegiava a versão das autoridades sobre os mais variados assuntos. Com isso, a questão da tortura nos quartéis do exército aguardava as versões oficiais produzidas pelo governo, mas quando era impossível não mencionar as torturas, ela era atribuída a excessos dos subalternos3.
Na atribuição adequada para justificar os crimes de morte, os verbos aniquilar e eliminar eram largamente utilizados para legitimar as ações militares contra a luta armada4.
Já os grupos armados preferiam o verbo justiçar para justificar assassinatos de militares, policiais e empresários envolvidos na repressão, ou a morte de militantes acusados de denunciar companheiros. De acordo com Jacob Gorender, o justiçamento de companheiros teve um custo político altíssimo, mas este ato não deve ser entendido como vingança, a justiça revolucionária não se confunde com vingança5.
1 FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e policia política. Record. 2001. P. 168.


2 PEDROSA, Lílian Maria Farias de Lima. Cidadania proibida: o caso Herzog através da imprensa. Imprensa oficial do Estado. São Paulo. 2001. P. 33.

3 ABREU, João Batista de. As manobras da informação: análise da cobertura jornalística da luta armada no Brasil: (1965 – 1979). Rio de Janeiro. EdUFF. 2000. P. 149.

4 Idem. P. 150.
5 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo. Atica.2003. P. 282.