terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A doutrina de segurança nacional


Longe de haver uma homogeneidade no meio militar, o golpe de 31 de março de 1964 acirrou ainda mais os ânimos de grupos que divergiam acerca do projeto político-social a ser posto no Brasil, a fim de que se alinhe ao desenvolvimento dos países do bloco capitalista.
O golpe civil-militar colocou na ordem do dia o desenvolvimento de uma ideologia de segurança nacional. Produzida pela Escola Superior de Guerra, essa ideologia pretendia alinhar o Brasil ao panorama internacional do contexto da guerra fria, sendo pró – capitalista. Um confronto aberto havia se formado entre os militares. Assumindo o comando supremo da “revolução”, o general Costa e Silva defendia idéias autoritárias, enquanto o presidente – militar Castelo Branco era mais moderado. Imbuídos do ideal anticomunista, estudantes e militantes de esquerda eram o foco principal de preocupação do governo “revolucionário” 1.
Através do estudo da história do Brasil podemos observar que os militares sempre demonstraram - se atuantes no momento de impasse entre instituições governamentais e sociedade civil. O período que faz parte do nosso estudo é o pós 1964, onde o projeto – político dos militares assumiu o controle do aparelho de Estado e, em meio a turbulências e bonança, permaneceu durante 21 longos anos.
Inserida no campo da geopolítica, a noção de segurança nacional estabelece fronteiras ideológicas, que é volátil, obedecendo sempre a conjuntura global. Por isso, é importante ressaltarmos que o inimigo pode ser tanto externo quanto interno.
Nesse processo, a burguesia teve um papel fulcral, onde os agros – industriais ligados a setores de exportação e capital financeiro aliaram - se aos oficiais de alta patente objetivando a manutenção da estrutura de poder2. Assim, os militares foram os sujeitos históricos que implementaram um regime político capaz de atender as necessidades de conhecida combinação de capitais, nacionais e internacionais, associados através de grupos específicos das respectivas burguesias3.
Mas para que haja aplicabilidade dessa doutrina, é necessária a adoção de um aparato estrutural que combine coerção e informação, responsáveis respectivamente pela repressão, no caso pode ser entendida como as diversas formas de tortura, e a identificação do inimigo interno4.
No Brasil, a doutrina de segurança nacional alterou completamente as relações entre militares e sociedade civil, pois os militares assumiram o poder e uma das conseqüências foi a reafirmação do sentimento corporativista entre as forças armadas brasileiras5.
Os meios de comunicação de massa, identificados como espaços de veiculação do discurso da classe que detém o poder hegemônico, transmitem, através da coerção ou conscientemente, as bases ideológicas do novo regime. Nesse sentido, somente as notas oficiais são apresentadas ao grande público e com isso, cria-se uma verdade absoluta acerca dos acontecimentos.
Na vanguarda para a construção de uma estrutura de poder simbólico no Brasil do pós 64, a chamada grande imprensa assume papel relevante para a legitimação do projeto político imposto pelos militares.
Sob uma ótica Weberiana, toda análise de luta política deve ter como fundamento as determinantes econômicas e sociais da divisão do trabalho político. Assim, observamos que a elite das classes dominantes não só apoiavam como também financiavam aparelhos ideológicos que tentavam legitimar o governo golpista.
Desse modo, uma vez no poder, o bloco financeiro – industrial multinacional e associado, ao procurar uma redefinição dos critérios de inclusão / exclusão no sistema político, não limitou sua atenção somente às classes trabalhadoras. O bloco de poder multinacional e associado impôs uma nova relação entre Estado, as classes dominantes e ele próprio, que implicava na rejeição do bloco – industrial populista e de seus mecanismos de representação e controle de classe. O novo bloco de poder rejeitou a ordem política anterior e procurou estabelecer um regime tecno – empresarial, protegido e apoiado pelas forças armadas6.
Uma vez no comando do aparelho de Estado, é através de uma série de mecanismos de aliciamento e repressão que os militares irão impor sua visão de mundo e tentarão legitimá-la através da grande imprensa. Então, entendemos a ação jornalística primeiramente inserida em uma lógica empresarial, que está continuamente defendendo posições mediante a venda de informações, haja vista que a estratégia pensada na órbita do II exército, era suspender os gastos com publicidade governamental nos órgãos que demonstrassem infiltração comunista7.
Mas não uma operação apenas técnica e sim uma operação simbólica, condicionada por ideologias, interesses e valores, no interior de uma dada situação histórica8.
Assim, verificamos que não há discurso sem ideologia. Nesse sentido, Barkhtin afirma que tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo.
Para a disseminação da ideologia de uma nova classe que estava tentando ascender ao Estado, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) teve um papel central. O IPES não era com certeza, como freqüentemente é descrito um movimento amador de empresários com inclinações românticas ou um mero disseminador de limitada propaganda anticomunista; era, ao contrário, um grupo de ação sofisticado, bem equipado e preparado; era o núcleo de uma elite orgânica, empresarial de grande visão, uma força – tarefa estrategicamente informada agindo como vanguarda das classes dominantes9.
Através do estreito relacionamento do IPES com os meios de comunicação, a opinião pública estava alinhada a ideologia dos golpistas em 64. Porém, os grupos sociais que apoiaram o golpe, logo mostraram - se reticentes quando o golpe consolidava-se no poder, isto é, o ethos persecutório não se traduzia num programa de ação político – administrativa, fundando –se, tão somente, no anseio de “eliminar o inimigo”, visto como subversivo interessado na implantação de uma “república sindicalista” contrária aos “valores morais da democracia ocidental10”.
1 FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e policia política. Record. 2001.

2 ABREU, João Batista de. As manobras da informação: análise da cobertura jornalística da luta armada no Brasil: (1965 – 1979). Rio de Janeiro. EdUFF. 2000.
3 FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e policia política. Record. 2001. P. 19.

4 BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.), O Brasil Republicano, Vol. IV, p. 31.

5 Idem. P. 34.
6 DREIUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado . ação política, poder e golpe de classes. Petrópolis. Vozes. 1981. P. 485.
7 FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e policia política. Record. 2001. P.184.

8 PEDROSA, Lílian Maria Farias de Lima. Cidadania proibida: o caso Herzog através da imprensa. Imprensa oficial do Estado. São Paulo. 2001. P. 32.
9 DREIUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado . ação política, poder e golpe de classes. Petrópolis. Vozes. 1981. P. 185.
10 FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e policia política. Record. 2001. P. 37.