segunda-feira, 22 de março de 2010

A Reconstrução da Memória da Ditadura Civil – Militar e da Luta Armada a partir da Década de 90 no Jornal O Globo

A partir da década de 1970, a ditadura militar no Brasil encontra – se em processo de crise e consequentemente começa a formação de movimentos em busca da redemocratização. Este fato não pode estar desconectado da assunção de Jimmy Carter à Casa Branca. De acordo com Francisco Carlos Teixeira, a firme atuação do novo presidente dos Estados Unidos em favor dos direitos humanos abriu novos espaços para a ação da oposição no país1.

Desse modo, com o fim da guerra no Vietnam, os Estados Unidos buscam recuperar o prestígio mundial adotando novas diretrizes nas questões relacionadas ao apoio político sobre os países que se encontram em sua esfera de influência. Esta doutrina fez com que os americanos passassem a não mais apoiar regimes repressores como as ditaduras latino - americanas.

No plano econômico o Brasil foi abalado pela crise mundial do petróleo a partir de 1973. Porém, este fato não teve grande relevância para a escolha dos rumos que o Brasil iria tomar, pois os sucessores do governo Médici já estavam definidos. A ascensão da dupla Geisel – Golbery já representava um projeto de abertura política no país.

Assim, a linha dura tornava - se a grande inimiga dos grupos pró – abertura no país e, por isso, a facção que desejava entregar o controle do país aos civis tinha que arquitetar uma abertura política muito bem planejada.

Dessa forma, o abrandamento da censura a grande imprensa foi uma das estratégias utilizadas para substituir a dominância dos meios de coerção pela dominância dos meios de persuasão, ou seja, a substituição da força pela ideologia2.

Nesse sentido, era de fundamental importância que a grande imprensa apoiasse a abertura. Nesse período de indefinição política, notamos nos grandes veículos de comunicação uma tentativa de mediar as visões acerca dos fatos ocorridos no período, ou seja, se antes a linha dura recebia todo o apoio dos veículos de massa, a partir da segunda metade da década de 1970 a grande imprensa tende a inclinação para os grupos pró – abertura. A mediação dos grandes veículos de comunicação é reflexo do impasse político o qual o país atravessava, pois não se podia prever qual grupo consolidaria sua visão de mundo no poder.

Mas a partir da década de 1980, a redemocratização se aproximava e a partir daí tem início a disputa pela legitimação da memória e nessa disputa a luta armada torna – se vitoriosa.

As vésperas das comemorações dos trinta anos do golpe civil – militar, O Globo destaca na primeira página do segundo caderno trechos do livro trinta anos esta noite do escritor e jornalista Paulo Francis. O fato de o assunto estar deslocado em uma parte do jornal fora da parte política já insere um tom romântico para o fato. Como se episódio de 1964 fosse muito distante no tempo e no espaço e não teve influência ou relevância para a contemporaneidade3.

Importante notar que a matéria publicada 04/03/1994 apresenta a frase “cronologia do golpe (ou revolução)”. O substantivo entre parênteses apresenta, mesmo trinta anos depois, certa inclinação aos golpistas ou a elite orgânica que o apoiou4. No dia 27/03/1994, O Globo publica uma entrevista com Roberto Campos, onde a palavra revolução continua sendo usada por ambos os lados5.

Outro substantivo muito utilizado nas comemorações dos trinta anos do golpe foi o movimento de 1964. No dia 27/03/1994 O Globo analisou a questão econômica durante a vigência da ditadura e voltou a qualificar o golpe civil – militar de 1964 como movimento de 1964. Notamos que o substantivo militar some e apesar de explicitar a economia durante a ditadura, o golpe não recebeu autoria.

Paradoxalmente há uma exaltação aos grupos guerrilheiros e repúdio a repressão e a tortura. Desse modo houve uma superação na forma de qualificar a tortura e a luta armada. Essa drástica alteração de posicionamento ideológico veio acompanhada da noção de democracia vigente no período. A guerrilha urbana ganhou contornos mais românticos provocando uma visão anacrônica acerca dos fatos, pois a noção de democracia atual não era o ideal da esquerda e muito menos da direita6.

A sociedade civil também passou a ter voz. Se antes as matérias jornalísticas baseavam - se nas notas oficiais dos órgãos de repressão, a situação se inverteu na década de 90. Na matéria do dia 31/03/1994 “soldados e estudantes se enfrentam nas ruas do Rio”, O Globo apresentou o incidente sob a ótica dos estudantes, deslegitimando a ação dos soldados7.

A alteração de posicionamento ideológico mais radical no jornal O Globo acontece em 1998 às vésperas da comemoração dos trinta anos do ato institucional n° 5. Com o título “mergulho nas trevas do A.I. 5”, O Globo posiciona - se totalmente contra a ditadura. Os grupos que lutaram contra o regime que antes eram classificados como subversivos e terroristas, agora ganharam legitimidade, sendo qualificados como a luta armada e dessa forma, admitiu-se que a imersão dos grupos guerrilheiros foi o resultado do recrudescimento provocado pela ditadura e, posteriormente, pelo ato institucional n° 58.



1 DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Crise da ditadura militare o processo de abertura política no Brasil, 1974 – 1985. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.), O Brasil Republicano, Vol. IV, p. 247.


2 PEDROSA, Lílian Maria Farias de Lima. Cidadania proibida: o caso Herzog através da imprensa. Imprensa oficial do Estado. São Paulo. 2001. P. 42.


3 O Globo. 04/03/1994.

4 Jornal O Globo 14/03/1994.

5 Jornal O Globo 27/03/1994.

6 Idem

7 Jornal O Globo 31/03/1994.

8 Jornal O Globo 06/12/19998.