terça-feira, 30 de março de 2010

Informação, censura e repressão para exportação: receita da ditadura civil - militar brasileira


Resenha do Livro: FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro, Record, 2001.

Publicado pela editora Record e fruto de uma vasta pesquisa documental, Como eles agiam, do autor Carlos Fico, traz a tona os subterrâneos da ditadura militar tornando- se obra de referência para pesquisadores, professores e estudantes que se interessem por esse período obscuro da história do Brasil. Explorando, pela primeira vez, arquivos de documentos de órgãos oficiais unido a temas já abordados anteriormente, o autor revela o funcionamento das instituições de informação e repressão da ditadura civil-militar brasileira.


Iniciado com um belo prefácio de Jacob Gorender, - autor de combate nas trevas- destaca a crueldade repressiva da direita nacional e o seu caráter de exportação para as outras ditaduras da América Latina.

No capitulo 1, longe de haver uma homogeneidade no meio militar, o golpe de 31 de março de 1964 acirrou ainda mais os ânimos de grupos que divergiam acerca do projeto político-social a ser posto no Brasil, a fim de que se alinhe ao desenvolvimento dos países do bloco capitalista. Além disso, o autor expõe as articulações entre grupos políticos e como uma parte dos militares que faziam grande pressão tornou-se o grupo da chamada linha dura.

O golpe civil-militar colocou na ordem do dia o desenvolvimento de uma ideologia de segurança nacional. Produzida pela Escola Superior de Guerra, essa ideologia pretendia alinhar o Brasil ao panorama internacional do contexto da guerra fria, sendo pró – capitalista. Um confronto aberto havia se formado entre os militares. Assumindo o comando supremo da “revolução”, o general Costa e Silva defendia idéias autoritárias, enquanto o presidente – militar Castelo Branco era mais moderado. Imbuídos do ideal anticomunista, estudantes e militantes de esquerda eram o foco principal de preocupação do governo “revolucionário”.

Carlos Fico, ao analisar as medidas tomadas pelo primeiro presidente – militar, deixa claro o papel relevante de suas decisões no sentido de tornar legal a noção de guerra interna e conseqüentemente fortalecer os autoritários que iriam consolidar seu poder no ato institucional n° 5, chamado golpe dentro do golpe.

No capitulo 2, ele analisa a estrutura de espionagem a partir do Sistema Nacional de Informações (SISNI), criado em 1970 a fim de garantir melhor estrutura das atividades de repressão típicas de uma ditadura.

Segundo o autor, sob a coordenação do Serviço Nacional de Informações (SNI), formava-se a teia da chamada comunidade de informação, onde órgãos civis e militares de espionagem produziam todo o tipo de informação e contra – informações necessárias à manutenção da estrutura de poder hegemônica.

Nos ministérios civis, o principal órgão de informação era a sua divisão de segurança e informações (DSI). Entre os militares, cada força tinha seu órgão, porém, de caráter mais independente, haja vista que alguns de seus assuntos iriam direto para o presidente.

As informações produzidas no SISNI eram classificadas em uma escala de A a F e de 1 a 6, suas subclasses obedeciam a um manual e tinham como destino o ministro de Estado e outros órgãos, sempre recíprocos em suas comunicações. Ao analisar as técnicas, o autor aponta dois importantes aspectos: o tema sexo foi sempre usado para desqualificar o inimigo e o clima de vigilância era constante sobre as vítimas.

A análise do sistema de segurança interna, isto é, da estrutura de repressão faz parte do terceiro capítulo da obra. Sob o pretexto de que a “revolução” não estava conseguindo alcançar os seus objetivos, os militares lançaram um projeto que pretendia atuar como um aparelho repressor contra a “subversão”. Desse modo, fica clara a distinção feita pelo governo entre informação e repressão, onde embora haja uma estrutura de informação própria, existia uma conexão entre o SISNI e o sistema de segurança interna (SISSEGIN). Assim, em 1969 foi lançada a operação bandeirantes (OBAN), que tinha a missão de combater a subversão nas áreas de São Paulo e Mato Grosso. Inspirados na OBAN e criadas por diretrizes sigilosas, o sistema DOI – CODI foi o grande aparelho repressivo do Estado durante a ditadura, onde a noção de guerra interna tendia a superestimar o inimigo, e contribuíram de forma decisiva para o desmantelamento da esquerda armada no Brasil.

Muito bem articulados, os centros de operações de defesa interna (CODI) tinha a função de planejar medidas para a defesa interna. O efetivo combate a guerrilha ficava a cargo do destacamento de operações de informações (DOI), por isso, era um órgão instável para ser capaz de se adaptar as adversidades, portanto, o principal responsável pelas crueldades ocorridas.

Acerca do aparelho repressivo é importante notar alguns aspectos destacados pelo autor. No que diz respeito à criação da OBAN, há indícios de uma enorme influência do governo dos Estados Unidos. Outro aspecto importante é notar o caráter de exportação do modelo de ditadura para outros países da América Latina como o Chile e a Argentina.

No capitulo 4 Carlos Fico irá demonstrar a articulação do comando geral de investigação (CGI), no sentido de acabar com a corrupção no país. Imbuídos de um discurso moral contra a corrupção, eles obedeciam às diretrizes do ato institucional n° 5 que tinha como objetivo a difícil missão de confiscar os bens dos acusados de enriquecimento ilícito. Devido ao preconceito e práticas de corrupção no espaço público, os políticos eram os mais visados.

Para o fracasso da CGI, o autor aponta para a impossibilidade de manter os próprios militares imunes à corrupção, assim como pela própria formação do seu quadro de funcionários, uma vez que eram desconhecedores das normas jurídicas. Acabou sendo extinta no final do governo Geisel.

O obscurantismo propagado pelos aparelhos repressores do Estado faz parte da análise no capítulo 5, o Estado contra o povo.

Nas rotinas do trabalho da imprensa, teve que ser incluída a censura. O departamento de polícia federal analisava o conteúdo das matérias obedecendo a diretrizes gerais ou pedidos específicos do governo, variando conforme a conjuntura política. O departamento de censura de diversões públicas (DCDP) era o órgão censor da tv, cinema e teatro. Livros também eram censurados, como também as gravuras eróticas de Picasso. Portanto, tudo que era considerado subversivo ou contra a moral e bons costumes da família brasileira era censurado. Os meios de comunicação eram usados sim, para exaltar a política do governo ou para omitir tudo de ruim que um regime ditatorial proporciona.

Estudantes e professores também foram muito perseguidos pela repressão. Movimentos culturais do período eram tidos como facilitadores da subversão e os jovens conseqüentemente vulneráveis a qualquer doutrina. O governo demonstrava um enorme preconceito também contra homossexuais, pobres e negros. Com os professores de esquerda, a principal arma do governo foi a aposentadoria.

Após o apoio inicial, o clero tomou uma posição contra o regime depois que surgiram as primeiras denúncias das torturas e, por isso, dezenas de bispos também foram perseguidos e alguns torturados pela repressão.

Inserido em seu contexto histórico, onde um mundo marcado pela relação dicotômica entre os blocos capitalista e socialista e suas disputas por áreas de influência deixava o mundo em iminente conflito nuclear, a ditadura brasileira foi fruto de um golpe em que a burguesia nacional e os militares uniram forças para expulsar tudo que ameaçasse seus poderes.

O mérito da obra está no sentido de proporcionar uma análise aprofundados órgãos da repressão. Através dela é que o sistema era articulado para que qualquer forma de “subversão” fosse banida e que a burguesia nacional permanecesse hegemônica no poder.

Enfim, uma bela análise dos órgãos de repressão que dá relevante contribuição para os posteriores estudos acerca desse período obscuro da história do Brasil que foi a ditadura civil – militar.



PEREIRA, Robson Souza. RESENHA - FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº21, Rio, 2009 [ISSN 1981-3384]